ENTREVISTA COM O FOTÓGRAFO CLÁUDIO BRANDÃO
(PUBLICADA ORIGINALMENTE NA REVISTA MURAL, EM 2010)
O ENGENHEIRO DAS IMAGENS
Pioneiro da fotografia publicitária em SC, Cláudio Brandão relembra sua trajetória de inovação e obsessão por qualidade
Texto e fotos: Caio Cezar

Cláudio Brandão refletido no vidro despolido de sua Toyo
 (Foto: Caio Cezar)

(Publicada originalmente na Revista Mural - julho de 2010)
Usando óculos pretos de aro grosso e caminhando calmamente, Brandão me recebe em sua bela casa no Cacupé com um sorriso discreto. Não sei bem porquê, mas a voz mansa e melodiosa, o cabelo acinzentado pelos 54 anos muito bem vividos e o jeito afável com que me abraça logo me fazem associá-lo com a figura de um monge budista: economia de gestos, autocontrole e poucas (mas sempre sábias) palavras.
Obcecado pelo controle técnico total e acostumado a produzir imagens impecáveis desde o tempo em que nem se pensava em Photoshop, Brandão e seus contemporâneos - que ele faz questão de citar várias vezes na entrevista - se tornaram referência na fotografia publicitária de alto desempenho em Santa Catarina. Onde antes havia improviso e generalismo, Brandão e seus amigos trouxeram técnica e especialização, conquistando clientes do quilate da Portobello, Cecrisa e Eliane, gigantes da cerâmica que antes só produziam suas imagens com fotógrafos do eixo Porto Alegre - Rio - São Paulo. 
Engenheiro formado em 1977 no Rio Grande do Sul, este paranaense com sotaque de manezinho do Cacupé (veio morar em Florianópolis aos dois anos de idade e tem profunda identificação com a cultura local), Brandão não para: está sempre indo a Nova Iorque visitar galerias e estúdios, dá aulas de fotografia em duas instituições (Udesc e IFSC) e adora receber outros fotógrafos em seu amplo estúdio, que construiu há vinte anos no meio da vegetação exuberante do Cacupé. 
Entre uma e outra fatia de bolo de chocolate e pausas para apreciar a coleção de livros e fotografias espalhadas pela casa, a Mural conversou por duas horas com mestre Brandão sobre fine-art, técnica, improviso e os rumos da fotografia na era digital.
Caio Cezar: Você está com quantos anos, Brandão?
Cláudio Brandão: Tô com 54.
Caio: Corpinho de 40.
Brandão: Corpinho de 53. (risos)
Caio: Não, você está super bem.
Brandão: Eu acho que ser professor universitário te deixa um pouco mimetizado com a juventude, a gurizada me traz sempre as novidades. Eu gosto, porque ficar fechado é um pouco perigoso. O ambiente acadêmico é o melhor que tem.
Caio: Faz tempo que você dá aula?
Brandão: Eu sou formado em engenharia e comecei a lecionar em 1980 na antiga Escola Técnica, atual Instituto Federal de Educação. Então deixa eu ver: (pensa) vou fazer 30 anos como professor. A fotografia começou para mim mais ou menos nessa época, primeiro como amador e depois como profissional mesmo. Mas lecionar fotografia é coisa que faço só há uns dez ou doze anos.
Caio: Não sabia que você era engenheiro.
Brandão: Saí daqui para estudar numa universidade particular do Rio Grande do Sul. Sabe como é: naquela época ainda tava com a vida boa, tinha tempo pra me dedicar aos estudos, então resolvi morar sozinho, encarar uma experiência nova e tal. Terminei a faculdade com vinte e 'pouquíssimos' anos e já voltei com uma filha, Nadyesda, que hoje está com 32 anos.
Caio: Você nasceu aqui, né?
Brandão: Não, nasci no Paraná, mas vim para Floripa com menos de dois anos.
Caio: Teu sotaque açoriano não nega.
Brandão: Sotaque do Cacupé (risos). Isso aqui (aponta com o queixo para o enorme terreno, cheio de árvores nativas, onde está construído seu estúdio) foi durante muito tempo o sítio do meu pai.
Caio: Como você se interessou pela fotografia?
Brandão: É engraçado relembrar isso, parece que mitifica um pouco. Às vezes a gente lê entrevista de fotógrafos e só falta o cara falar: "desde que nasci já via o mundo como uma fotografia" (risos). Mas comigo foi o seguinte: aos doze anos ganhei uma câmera Kodak Rio 400, que está na minha coleção até hoje, e comecei a brincar, fazendo fotos da família. E já queria inventar, botava um binóculo na frente da lente, fotografava com slide e depois desenhava em cima, um monte de coisa. Nada que tenha valido a pena o resultado. Depois passei um período afastado da câmera e só fui retomar quando já estava na universidade, quando comecei a ficar encarnado mesmo. Ia todo fim de semana pra Porto Alegre, só para olhar as câmeras profissionais nas lojas de lá, que em Florianópolis ainda não tinha. Eu babava naquela vitrine (risos). Tinha uma queda especial por uma Asahi Pentax "SP alguma coisa", me lembro até hoje.
Caio: E você não tinha câmera nessa época?
Brandão: Não, mas quando minha filha nasceu, em 77, minha mãe me deu uma Konica e eu não parei mais. Na primeira semana procurei o fotógrafo profissional da cidade, São Leopoldo, pra aprender a revelar filme. Esse mesmo fotógrafo me indicou um curso da Kodak em Porto Alegre. Foi tudo muito rápido. Montava o laboratório na cozinha de casa mesmo. Quando as meninas dormiam eu fechava as janelas com cobertor e passava a madrugada lá. Fazia umas ampliações em preto e branco, tenho até hoje comigo essas ampliações. As primeiras eu fiz com projetor de slides, nem tinha ampliador ainda.
Caio: E aí você voltou para Floripa em que ano?
Brandão: Em 79, para fazer mestrado em engenharia mecânica na UFSC.
Caio: E a fotografia ainda era um hobby nessa fase?
Brandão: Era, uma coisa que eu adorava. Quando cheguei peguei um movimento que eu acho o mais bacana, e talvez o único, que a fotografia teve em Floripa até hoje, que era um grupo chamado Fotógrafos e Imagens. Eram os feras da época,  Walmor Oliveira, Pedro Troncoso e o Pedro Alípio. Me juntei com eles e fizemos exposições aqui, em Curitiba, um monte de coisa...
(Toca o telefone e Brandão pede licença para atender. Educadamente, diz ao interlocutor que não vai poder chegar a tempo, que talvez se atrase um pouco, mas o melhor mesmo é deixar para outro dia. Desliga, pede desculpas pela interrupção e se senta)
Caio: Correria, Brandão?
Brandão: Não, desorganização mesmo (risos). Não tenho uma vida de correria, não. Meu cunhado brinca comigo dizendo: "O Brandão comprou o livro 'Como Organizar Sua Vida' , mas perdeu o livro". (risos)
Caio: É meio típico de fotógrafo, né? A gente em geral tem dificuldade em lidar com os aspectos mais práticos da carreira. 
Brandão: É, mas a gente leva da melhor maneira possível. E dentro dessa minha desorganização acho que consegui bastante coisa na fotografia.
Caio: Conseguiu mesmo. Conta mais da tua volta para Floripa. 
Brandão: Quando voltei, ainda engenheiro, comecei a praticar mais a fotografia técnica, porque todos os meus amigos de pesquisa, os engenheiros, estavam precisando de uma fotografia mais técnica, para a área de metrologia e medições, que era o que a gente fazia na época. Quando terminei o mestrado cheguei à conclusão de que a fotografia era o que eu queria mesmo. Isso foi em 82, por aí.
Caio: E nesse meio tempo você foi se qualificando, reforçando esse alicerce técnico.
Brandão: Acho que isso é que fez a diferença na minha carreira, Caio. Eu ter escolhido uma área tão técnica, que é a fotografia de estúdio, foi uma necessidade minha de entender todos os aspectos da minha fotografia, saber como tudo aquilo funcionava. Então comprava livros, perguntava para quem sabia mais que eu. A minha geração, que é o Zé Paiva, o Marcus Qüint, o Phillipe Arruda um pouco mais jovem, pega o fotografia publicitária mesmo. Porque até então eram os fotojornalistas que faziam de tudo um pouco, inclusive publicidade. A minha geração rompeu com isso, se especializando em fotografia exclusivamente para publicidade, que te exige um grande apuro técnico. Nos últimos tempos, com a fotografia digital, que acabou um pouco com a necessidade de tanta técnica, tive que - não diria reaprender - mas me soltar um pouco mais.
Caio: Você acha mesmo que a fotografia digital diminuiu a importância da técnica? Não sei se concordo com isso, Brandão, com todo respeito. A necessidade da técnica continua, o que mudou é que todo mundo hoje pode fazer fotografia. Hoje todo mundo é fotógrafo. Mas o olhar, a inovação artística e a técnica sempre irão separar os bons dos ruins, você não acha?
Brandão: Concordo totalmente. Mas o digital quebrou um paradigma, inaugurou um novo jeito de fotografar. Quando se quebra um paradigma, quem fica de fora ou se sente ameaçado vai contra. Então, imagina: quando surgiu a fotografia, no século XIX, todos aqueles pintores que se dedicavam a pintar paisagens e retratos demonizaram a fotografia, porque ela toma de certa forma o lugar da pintura. Aquilo foi uma quebra de paradigma, como é agora a fotografia digital. Só que com essa quebra de paradigma, como você disse, todo mundo pode participar. E aí tem um certo medo de perder espaço, por parte dos profissionais. Acho até que é um pouco mais complexo: como profissão, a fotografia sofreu uma alteração tremenda.
Caio: Será que é porque na época do filme o fotógrafo era visto como alguém que dominava ciências ocultas, quase um alquimista, por causa da incógnita do filme não revelado? O cara não sabia, até sair do laboratório, se o trabalho tinha dado certo ou não.
Brandão: Claro. Mas essa rapidez e transformação estética que o digital trouxe baixou muito o nível, em geral. Eu tenho certeza que ninguém pode comparar eu e você com um jovem desses que trabalham no Bem na Foto (site que fotografava baladas em SC). Hoje em dia o cara fotografa qualquer coisa e outra pessoa é que vai fazer o tratamento, vai editar. Isso tira o lado autoral da foto, e o público começa a achar que o que é medíocre é bom. O Walmor Oliveira fez um site novo e lá tem uma frase mais ou menos assim: "Tecnologia é para todos, mas talento é só para alguns". Então, com o digital a fotografia deixa de ser um campo de conhecimento específico para virar apenas uma ferramenta. 
Caio: Como assim?
Brandão: Por exemplo: meus antigos clientes arquitetos são pessoas com um olhar e senso estético excelentes. Então ele pega uma câmera boa e faz fotos bem decentes, sabe? E assim é com os designers e com os diretores de arte das agências. Foi uma desestabilização de mercado mesmo. Se vai mudar? Pode ser, acho até que já está acontecendo nessas áreas que necessitam de um olhar mais apurado, como a moda, por exemplo. Mesmo assim, na área de moda, você vai ver que o estilista Karl Lagerfeld já fotografa ele mesmo suas próprias coleções, com um ótimo resultado. Antes ele chamava um fotógrafo profissional, dizia o que queria e ficava ali acompanhando. Hoje ele mesmo faz.
Caio: E a parte técnica, nesse caso?
Brandão: Se você está em Nova Iorque, liga para um estúdio desses, os caras te mandam todos os equipamentos e um super assistente que vai deixar tudo tecnicamente pronto para você fotografar. Daí larga a câmera na mão do cara que não manja nada de equipamento, e ele só tem que fazer o clique.
Caio: Então qual é a saída para o fotógrafo profissional? O que ele pode oferecer ao mercado que os pseudo-fotógrafos não oferecem?
Brandão: Acho que não muda muito, ou não deveria mudar, para o fotojornalista, que tem a missão de mostrar o mundo, e uma parte muito grande pro fotógrafo de casamento, que é uma das áreas que hoje dão mais dinheiro dentro da fotografia.
Caio: Tem esse novo estilo, que de novo não tem nada, de fotografar casamento com uma abordagem fotojornalística, com imagens não posadas e fotos depois da cerimônia, com os noivos na praia, molhando os trajes e tal. Mas mesmo esse estilo já está ficando um pouco cansativo. Parece sempre a mesma foto, ficou previsível demais, não acha? 
Brandão: Acho que já cansou, né? É aquela história: aparece um bom fotógrafo de casamento, que está na moda no momento. Aí esse cara dá um curso para mil fotógrafos, que dão curso para mais mil, e aí todo mundo faz o mesmo padrão, como se fosse uma cartilha. Então eu acho que isso é uma limitação também, apesar de dar grana. Mas no final de tudo acho a fotografia vai continuar sendo dos apaixonados como a gente. Porque como campo de trabalho, piorou muito.
Caio: Mas você está desesperançoso, Brandão?
Brandão: Eu acho que estou um pouco desesperançoso, sim. Porque eu não consigo mais me posicionar no mercado onde sempre trabalhei, simplesmente porque os orçamentos não batem mais. Caiu tanto o preço e o nível que não tem como. Eu conheço designers que fotografam e dão a fotografia de graça, para cobrar o tratamento e a diagramação. Também vejo isso em gráficas, onde a fotografia entra como brinde. Hoje cada gráfica do interior do Brasil tem uma câmera daquelas da Sony, de oito megapixels, que resolve tudo. Então, quando uma grande quantidade de imagens ruins começa a invadir o mercado, vira padrão, as pessoas começam a se acostumar com a mediocridade. Tem uma revista chamada Archive, que trata do mercado publicitário e escolhe uma vez por ano as melhores fotos publicitárias. Aí tinha uma entrevista com o diretor de arte que é responsável pela escolha das imagens. Já de cara o sujeito solta essa: "Eu não gosto de trabalhar com fotógrafo experiente, porque ele sempre quer impor o olhar dele. Prefiro trabalhar com um olhar mais jovem". Na verdade, não é o olhar mais jovem que ele quer, e sim o fotógrafo mais barato. Hoje o mercado funciona assim. E a gente sabe que essa é a maior cilada, porque se tu começa a trabalhar cobrando um preço baixo nunca mais vai conseguir ser pago decentemente.
Caio: Na tua opinião, aos olhos do mercado o fotógrafo não tem mais aquela importância de antes.
Brandão: É diferente. Aquela magia, aquele status de artista ou alquimista não tem mais. O mercado te vê como o cara que carrega o teu equipamento para ele te dirigir.
Caio: Se a técnica não vale mais tanto quanto antes, pergunto de novo: o que vai distinguir o bom do mau fotógrafo?
Brandão: Vou dar um exemplo: saiu uma Hasselblad (uma das mais bem reputadas câmeras de médio formato, muito utilizada por fotógrafos de publicidade) nova, com 70 megapixels se não me falha a memória. Entrei no site para ver que tipo de vantagem os caras vendiam em relação às outras Hasselblad. Fiquei impressionado de ver que uma fábrica como a Hassel, dedicada aos profissionais, oferecer como a principal vantagem desta câmera uma possibilidade quase infinita de crop (corte). Que significa isso? O fotógrafo vai para o local, fotografa tudo com uma grande angular e o diretor de arte depois corta como quer a foto, como se o fotógrafo só fosse o carregador do equipamento. É quase como montar a câmera num tripé com controle remoto. E não quero soar elitista nem vejo nenhum demérito em fotógrafos que estão começando, mas tem certas coisas que não podem ser esquecidas.
Caio: Se lembrarmos de fotógrafos como Cartier-Bresson ou Flávio Damm, para quem o espaço do fotograma era sagrado, isso é quase uma heresia.
Brandão: Quantas brigas a gente já teve com editores ou diretores de arte por causa de cortes na foto? Esse respeito vai se perdendo. Hoje em dia o fotógrafo não domina nem o equipamento, ele faz o que o automático da câmera permite, e esse é o limite dele. Num certo sentido, ele que é dominado pelo equipamento.
Caio: É o poste mijando no cachorro.
Brandão: Bem isso. Então o grande caminho para quem realmente ama e respeita a fotografia, entre os quais eu nos incluo, é o fine-art, a fotografia mais artística, autoral mesmo. Nos Estados Unidos o fine-art já é uma realidade há muito tempo. Nos anos 20 e 30 eles não tinham arte acadêmica suficiente, como a pintura e escultura, então a fotografia foi muito importante para produzir essa massa, esse volume de arte. Depois da segunda guerra, Nova Iorque já era a cidade mais importante do mundo, mas Paris ainda tinha muito mais galerias de arte que os Estados Unidos inteiros. Mesmo assim, a fine-art veio primeiro para Nova Iorque.
Caio: Agora a onda é ampliar fine-art em impressoras jato de tinta, no chamado "processo seco", em papéis de fibra naturais: fibra de bambu, de linho, algodão. Fica super bonito, especialmente o preto e branco.
Brandão: Tem uma passagem muito engraçada sobre isso. Tava um dia conversando com o Bóris Kossoy (fotógrafo, historiador e um dos mais importantes teóricos da fotografia na Brasil) que é um sujeito muito sério, mas com um humor muito fino. Daí eu estava falando com ele sobre as vantagens da impressora Epson jato de tinta: "Bóris, é uma maravilha, tem três tons de preto para fazer os meio-tons, fica uma beleza". Aí ele me olha sério e diz: "Pois é, Brandão, é tão bom que até parece fotografia". (risos) Aí ele me quebrou todo (mais risos).
Caio: Teve muito fotógrafo bom que se perdeu, e deixou mesmo de trabalhar, durante a transição do analógico para o digital. Pelo que me parece esse não foi o seu caso. Você passou tranquilamente por isso, não?
Brandão: Não vou dizer que eu tenha sido dos primeiros a aderir ao digital. Vários amigos se bandearam na primeira hora. Talvez eu tenha sido um dos últimos a migrar para o digital, porque achei que não adiantava operar um equipamento onde eu não tivesse o mesmo controle que tinha com o filme, que não entendesse o que estava acontecendo ali dentro da câmera. Aí fui procurar quem já entendia, fazer cursos, fui atrás do Clício (Clício Barroso, fotógrafo e expertise da Adobe). Na verdade, quando eu ainda nem tinha máquina digital, fui para São Paulo fazer um curso de fotografia digital, na época em que as melhores câmeras tinham três mega de resolução. Até porque, como professor, eu não podia deixar de entender o digital. Mas achei que nós fotógrafos fôssemos resistir mais, como a turma do cinema resistiu, por muito mais tempo.
Caio: Mas mesmo assim, a boa fotografia resiste.
Brandão: Porque, fazendo uma análise desapaixonada, o processo da fotografia é o processo do olhar. A fotografia não muda, e até o equipamento é exatamente o mesmo. Só o filme é que foi substituído pelo sensor. De resto continua o mesmo. E o digital é bom que não dá dor de barriga.
Caio: Como assim, dor de barriga?
Brandão: Por exemplo: eu ia pra Salvador fotografar a mostra CasaCor de lá. Operava quinze rolos de filme e vinha com dor de barriga até Floripa, só pensando: será que ficou bom? Será que a câmera funcionou legal? Dava um medo danado, e nem podia passar no raio-x dos aeroportos porque podia velar o filme. (risos)
Caio: Mas vamos voltar um pouco à tua história como fotógrafo. Quando você chegou aqui em Floripa, no final da década de 70, você ainda era amador, ainda que avançado. Quando você passou a viver de fotografia?
Brandão: Depois de uns cinco anos aqui, acho. Eu era um daqueles amadores que participam de salões de arte, encarnado mesmo. Ganhei um prêmio no Salão de Novos da RBS. Foi engraçado, porque quando fui me inscrever a marchand me olhou com um desdém danado, só porque era uma fotografia, e não uma tela ou escultura, que eu estava inscrevendo. Fui terceiro lugar geral, ganhei um belo prêmio (risos). Aí eu e um velho amigo também fotógrafo, Sérgio Vignes, vimos que havia uma brecha para um trabalho mais voltado para publicidade, porque como eu te disse, quem fazia na época eram os fotojornalistas da cidade, mas os trabalhos bons mesmo iam todos para fora, Porto Alegre, São Paulo.
Caio: Aí vocês resolveram montar um estúdio.
Brandão: Isso. Era uma salinha ali no centro. Estúdio Aruera, sem o "i", que é como fala o manezinho (risos). Aruera é a razão social do meu estúdio até hoje.
Caio: Quais eram as agências na época?
Brandão: Propague, Quadra, SC, Gran Meta e a MPM, que no início era uma espécie de franquia. Depois a MPM resolveu se instalar de vez aqui, com uma agência maior e melhores clientes. Foi aí que comecei a aprender a trabalhar direito mesmo, a cumprir uma série de exigências que eles tinham. Aprendi também a cobrar direito, até porque eles tinham a conta da Souza Cruz, na parte de plantação de fumo. Era um outro tipo de trabalho. Essa minha geração, o Zé Paiva, Marcus Quint, Sérgio Vignes e eu é que fomos os pioneiros da fotografia publicitária profissional em Florianópolis. Logo depois veio o Philipe Arruda.
Caio: Você aprendeu fazendo mesmo. E sempre com essa obsessão pelo controle técnico total?
Brandão: Isso é quase uma neurose (risos). E tinha o Vignes, meu sócio, que era um mago no manuseio de ferramentas. Me lembro de uma fotografia que a gente fez, de um telefone.  Tinha que ser como se o fone estivesse voando, saindo do nada. O Vignes pegou um tubinho preto, enfiou um arame e fez um fio de telefone que se sustentava sozinho e aguentava o peso do fone. Outra foto era uma taça com vinho fotografada no momento em que estava quebrando. O Vignes quebrou a taça e depois colou os caquinhos com super bonder, como se estivessem se estilhaçando naquele momento. Tudo fotografado com uma Graflex 4x5.
Caio: Aí começou a decolar.
Brandão: Aí mudamos o estúdio para a parte de baixo de uma casa que era da sogra do Sérgio, ali na rua Irmã Benwarda, perto do Hospital dos Servidores.  Tinha uma demanda enorme, porque os médicos precisavam de fotos técnicas para publicação de artigos científicos. Foi muito legal essa fase, eu o Vignes inventando coisas no estúdio.
Caio: E hoje você tem um estúdio que deve ser o maior de Floripa, no meio de um monte de árvores nativas no Cacupé. Eu pelo menos não conheço outro estúdio que se compare em estrutura e tamanho. Quando e como você, loucamente, projetou e construiu esse estúdio?
Brandão: Na época me chamaram de louco mesmo. Diziam que não tinha demanda, mas eu achava que não tinha demanda porque não tinha estúdio (risos). Pensava o seguinte: quando existir um estúdio onde você possa fotografar um carro ou microônibus os trabalhos vão começar a aparecer. Sem falar da indústria cerâmica, de azulejos e porcelanato, para quem eu fiz os maiores trabalhos da minha carreira. E aí eu não posso esquecer da Maria Amália, consultora de marketing portuguesa,  que trabalhava com a Portobello e viu a possibilidade de fazer os trabalhos aqui mesmo em Santa Catarina, tanto da Portobello como da Cecrisa e da Eliane, que até hoje são três gigantes do ramo de cerâmica.
Caio: E pra eles era mais fácil fotografar aqui do que em São Paulo ou Porto Alegre, porque tudo era feito à vera, montando e desmontando os ambientes, com cimento, madeira e tudo, né?
Brandão: Esse é o trabalho que eu mais sinto não existir mais. Era  uma produção bacana, muito parecido com cinema, porque não tinha a figura do "fotógrafo estrela". Era uma equipe de 20 pessoas, cenógrafo, decorador, arquiteto, iluminador, fotógrafo e designer.
Caio: Você construiu o estúdio já pensando nesse mercado?
Brandão: Ah, totalmente.
Caio: Mas você tinha alguma garantia da Maria Amália, do tipo "constrói que a gente faz aqui"?
Brandão: Não, garantia nenhuma. Só achava que podia ser um caminho. Tanto que comprei a estutura pré-moldada mas não tinha dinheiro pra fechar as paredes. Então por uns quatro anos ficou um telhado e seis colunas sem nenhuma parede. O pessoal do Cacupé até apelidou de "telhadão"(risos). O mato cresceu, ficou meio abandonado. Daí vendi o carro e a moto para fechar as paredes do galpão.
Caio: E aí começou a correria de fotografar as cerâmicas.
Brandão: Correria mesmo. Teve um catálogo que a gente fez 45 ambientes em 40 dias. Vinte pessoas no estúdio, tinha gente que dormia aqui mesmo, espalhada, e o Alexandre, que era meu assistente, ainda ia virado pro estúdio do centro, que a gente ainda mantinha funcionando, pra revelar os cromos. 
Caio: Nada daquele glamour geralmente associado ao fotógrafo publicitário?
Brandão: Glamour nada, bobagem. Cimento, cal, equipamento todo tapado com saco plástico, monta, desmonta, aquela baita poeira... Enquanto fotografava um ambiente, a equipe desmontava outro, montava um terceiro, desmontava mais um, uma loucura.
Caio: E além da fotografia publicitária você fez ensaios mais pessoais ou a fotografia publicitária não te deu tempo para isso?
Brandão: A gente nunca abandona o trabalho pessoal, né? Faço sempre algumas fotos nas viagens, coisas de arquitetura, que eu adoro.
Caio: Você acha que o fato de ter se formado engenheiro ajudou na tua formação como fotógrafo?
Brandão: Acho que sim, mas analisando de outra forma vejo que a fotografia era um contraponto artístico necessário para mim, porque nem todo mundo que se forma engenheiro é engenheiro de cabeça, vamos dizer assim. Olha que coincidência: o Paiva é engenheiro mecânico e virou fotógrafo. O Philipe Arruda abandonou engenharia para fazer jornalismo e se tornar fotógrafo. O Édson Redivo, fotógrafo de Criciúma, também abandonou engenharia, Vignes também. Pedro Troncoso não fez engenharia mas pensa como engenheiro. Deve ter alguma ligação oculta entre engenharia e fotografia, só pode ser (risos).
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ENTREVISTA COM O FOTÓGRAFO FÁBIO CABRAL
(PUBLICADA ORIGINALMENTE NA REVISTA MURAL, EM 2010)
CABRAL  REDESCOBRE CABRAL
Na ilha há 14 anos, o fotógrafo de "Anjos Proibidos" agora faz cinema e sonha: "Quero ganhar um Oscar".

Texto e foto: Caio Cezar

O fotógrafo e diretor de fotografia Fábio Cabral 
(Foto: Caio Cezar)

Aos 51 anos, Fábio Cabral tem empolgação e fôlego típicos dos adolescentes. Filho de portugueses, o médico que virou fotógrafo gesticula muito e se exalta quando defende seu trabalho. Lamenta o caminho que a fotografia de publicidade tomou no mercado na era digital: "hoje em dia o melhor fotógrafo é o mais barato", sentencia. 
Há 14 anos em Florianópolis, Cabral sente-se cada vez mais atraído pelo cinema, e está com a mesa de sua casa no Canto da Lagoa abarrotada de projetos para a telona. "Estou num processo de transformação na minha fotografia, pra encontrar minha essência profissional, que é a direção de atores e modelos", diz.
  Entre xícaras do bom expresso do Café Compasso, durante duas horas a Revista Mural conversou com o fotógrafo, que falou sobre sua trajetória na profissão, a polêmica que cercou seu livro "Anjos Proibidos"e outros assuntos. 
Caio Cezar | Já marcamos e desmarcamos esta entrevista três vezes. Tá difícil te encontrar na ilha, hein, Fábio?
FÁBIO CABRAL | Tá, né velho? É que eu tô viajando bastante, fundamentando meu trabalho fora daqui. 
Caio | Você é formado e pós-graduado em Medicina, e só começou na fotografia aos 24 anos. Como você se interessou pela profissão?
Fábio Cabral | Eu fiz Medicina na OSEC. Prestei vestibular porque a faculdade era perto da represa de Guarapiranga e eu tinha um Hobbie Cat (pequeno veleiro para até 4 pessoas), então minha curtição era ir pra aula e velejar depois (risos).
Caio | Enfim, conta como você começou.
Fábio Cabral | Comecei na fotografia por uma razão muito doida. Eu era médico, tinha um emprego de professor na faculdade e dirigia o centro de saúde em dermatologia sanitária de lá. Na época eu fazia pós-graduação em sanitarismo e saúde pública.
Caio | E você curtia a faculdade?
Fábio Cabral | Ah, curtia, porque a maioria os cursos na OSEC eram cursos mais femininos, tipo pedagogia, psicologia, então era a maior curtição a faculdade.
Caio | Não tinha como não gostar. Você era muito namorador nessa época, Fábio?
Fábio Cabral | Ah, eu sempre apreciei muito os encantos  das mulheres.
Caio | Tá, mas você ainda não contou como foi o começo de tudo.
Fábio Cabral | Pois é. Eu já tava casado com a Lenita John, e meus grandes amigos nessa época eram todos fotógrafos, craques do fotojornalismo: a Cristina Villares, o Marcos Rosa, o Rui Teixeira, o Silvano Bellini. Vivia no meio dos fotógrafos e tocava trompete numa banda de jazz, para dar vazão ao meu lado artístico. Depois vendi esse trompete e comprei minha primeira câmera, uma Nikkomat. 
Caio | E não parou mais.
Fábio Cabral | É. Eu tava casado com a Lenita. Daí cheguei pra Liana John, que era irmã da Lenita e minha “ídala”, jornalista já consagrada na época . Disse: “Pô, Liana, eu tô meio descontente lá no centro de saúde. Acho que eu quero ser fotógrafo de publicidade”. Ela me jogou um balde de água fria: “Como assim? Você é um cara pós graduado, você acha que ser fotógrafo é assim? Minha irmã casou com um médico”. Ela me disse: “Você nunca vai conseguir”.
Caio| E aí?
Fábio Cabral | Daí que um mês depois eu tava separado da Lenita e do resto da família dela, (risos). Comprei a Nikkomat, botei uns filminhos ali e fui fotografar na night, fazer exatamente aquilo que o Marco Cezar faz. Naquela época tinha o Victoria Pub, que era de um amigo meu. Fazia um mural com as minhas 10x15, como tem no El Divino hoje. Essas fotos eram vendidas pros clientes, e era dali que saía um dinheirinho. Passei cinco anos com a máquina pendurada no pescoço para as pessoas me reconhecerem como fotógrafo.
Caio | E aí?
Fábio Cabral | Aí pintou a Vento Leste, uma surf shop que eu montei em sociedade com o Mauro Fazzi, um amigo que tinha mais tino comercial. Fizemos um "Foto Surf Shop" lá, com uma franquia da Curt (antiga empresa de produtos e serviços fotográficos). A gente recolhia os filmes da galera do surf e fazíamos umas promoções do tipo “revele um filme e ganhe uma parafina”(risos). Daí comprei uma lente de 500mm e comecei a fotografar surf e vender as fotos pra galera.
Caio | E a fotografia de publicidade?
Fábio Cabral | Apareceu um cara na loja que foi crucial na minha vida, o Osvaldo. Ele era fotógrafo contratado de uma produtora de audiovisual que chamava MikSom e fazia lançamentos de produtos com projeção de slides 35mm, uma loucura. Daí o Osvaldo me chamou pra trabalhar lá, porque um dos fotógrafos tinha sido mandado embora.
Caio | Mas nessa época você já tinha um portfólio legal? 
Fábio Cabral | Tinha umas fotos de Surf e de shows, né? Porque todo mundo faz umas fotinhos de shows. Aliás, fiz uma foto do show da tua banda (Coletivo Operante) que ficou muito legal, lá no Acústico Brognoli. Depois te mando.
Caio | Beleza, valeu. Daí o Osvaldo te chamou...
Fábio Cabral | O Osvaldo praticamente me colocou lá dentro. Nunca tinha entrado num estúdio e já entrei com carteira assinada, como fotógrafo. Tinha lá um haze (luz de estúdio muito utilizada para retratos) e um flash meter (equipamento para medir a intensidade da luz) de vareta. Entrou o produtor: “Vamos fotografar”. Era uma campanha da Bombril, e eu nem sabia o que era um cabo de sincronismo. Daí o Osvaldo sabia da situação e largava o trampo dele no estúdio ao lado pra me dar umas dicas: “faz assim, faz assado”.
Caio | Você ia pra lá todo dia, era tipo emprego fixo mesmo?
Fábio Cabral | Todo dia, com carteira assinada e horário. Chegava lá de manhã e ficava esperando o produtor chegar com o trabalho, que podia ser qualquer coisa. Interna, externa, carro, produto de limpeza, pessoas, de tudo. 
Caio |  E a surf shop nesse rolo?
Fábio Cabral | Cheguei pro Mauro, que era meu sócio e disse: “Maurão, acabei de arranjar um emprego de fotógrafo. Toca aí a loja que agora ela é só sua. Quando você tiver grana me paga a minha parte”. Abrí mão do negócio. Na verdade a surf shop foi um trampolim para a fotografia.
Caio | E você ganhava legal na MikSom?
Fábio Cabral | Ganhava legal, sim. Entrei ganhando o equivalente a uns mil e quinhentos dólares na época. Pra mim era legal, minha primeira grana de verdade com foto. Fiquei um ano e oito meses lá, praticamente 24 horas por dia. Dormia nos estúdios, com isopor como colchão, saco de areia de travesseiro, embrulhado no fundo preto e na curva do fundo infinito (risos). Então os donos da empresa viam que eu tava afim mesmo. E também comecei a propor fotos mais com a minha cara, diferentes. Entrei como o último fotógrafo e em um ano e meio eu era o primeiro, escolhia meus trabalhos. Uma vez fotografei o lançamento da caminhonete D-20 ou D-30, não lembro. Tava toda a diretoria da Chevrolet na pista de provas. Aí eu comecei a fazer coisas diferentes. Subí na caçamba, botei a câmera perto da roda, comecei a propor coisas pra enobrecer o audiovisual deles. A galera da Chevrolet ficou doida com meu trabalho, isso repercutiu dentro da empresa e daí comecei a fazer praticamente só Chevrolet. Mas foi por linguagem, nunca puxei saco de ninguém lá.
Caio | E quando foi que você saiu desse estúdio? 
Fábio Cabral | Uns amigos meus montaram a revista Fluir. Aliás, a primeira edição foi fechada na minha surf shop, porque em cima da loja eu tinha um laboratório preto e branco. A galera da Fluir não tinha ampliador, então eles prismavam o fotolito lá. Daí comecei a viver essa relação com a revista. 
Caio | Mesmo não sendo mais sócio na surf shop, pelo jeito você tava sempre lá.
Fábio Cabral | Ah, porque a surf shop era um point dessa galera, e o Mauro sempre foi meu amigo. Daí o pessoal da Fluir me convidou: “Cabral, sai da MikSom e vamos montar um estúdio”.  Pedí demissão da MikSom e montei o tal estúdio com a galera. Chamava Art Fluir, e a gente produzia os anúncios que seriam publicados na revista. Pega uma Fluir de 85, 86, que foi o tempo áureo: se tivesse 40 páginas de anúncio eu produzia e clicava 38. Então eu não fotografava surf, mas a publicidade do surf.
Caio | A gatinha da Town & Country, da OP, da Hang Loose...
Fábio Cabral | Exatamente. Era eu que fotografava. 
Caio | E aí você foi para o Estúdio Abril em 89, certo?
Fábio Cabral | Isso. Porque rolou o seguinte: em 87 o pessoal da Editora Abril encostou na Fluir. Eu era o diretor da Art Fluir, atendia, pegava os briefings e fotografava. Na época eu já queria me aproximar do mercado de moda, queria fazer o que o Trípoli fazia. Olhava as fotos dele na revista Etiqueta e babava, babava. Pensei: ”Eu quero ser esse cara”. Era uma fotografia muito arrojada. Pra mim ele era o melhor fotógrafo do Brasil, e ainda é até hoje. Adoro aquele velho italiano. Depois nos conhecemos e viramos grandes amigos. Ele escreveu o prefácio de “Anjos Proibidos”.
Caio | Uma honra pra você, né?
Fábio Cabral | Demais, demais...anos depois o Trípoli foi para os Estados Unidos e a revista Etiqueta ficou meio órfã de fotógrafos. Entrei na revista e comecei a fazer o meu trabalho lá. Foi uma satisfação pra mim substituir o Trípoli. 
Caio | Aí você já trabalhava no Estúdio Abril.
Fábio Cabral | Era diretor do Estúdio Azul, da Editora Azul, um braço da Editora Abril. Formei muitos profissionais lá. Um dos meus maiores orgulhos é a Priscilinha Prade, filha do Péricles, que aos 16 anos de idade era minha assistente.  Aprendeu tudo no Estúdio Azul, e hoje é uma fotógrafa famosa, fazendo editoriais, trabalhando um monte, super legal. Formei muita gente lá.
Caio | Foi mais ou menos nessa época que você lançou “Anjos Proibidos”, um livro que deu a maior polêmica. Podemos falar um pouco disso?
Fábio Cabral | Tranqüilo. Na época eu colecionava – e coleciono até hoje – livros do David Hamilton (fotógrafo inglês, famoso por seminus de adolescentes), que foi o cara que fez a imagem pueril da ninfeta, da nudez adolescente como se fosse um sonho. Daí comecei a vislumbrar meninas com pouca idade, com menos de 18 anos, que na real é a idade das modelos hoje em dia, não é? Aí o pessoal fala: “o Cabral fotografou crianças”. Não são crianças, são meninas de 15, 16 anos. Elas só têm menos de 18. E eu percebia um erotismo, uma sensualidade nessas meninas quando elas apareciam no estúdio pra fazer casting. Daí pensei: “Nossa! Eu vou fotografar isso, vou transformar isso num trabalho de arte fotográfica fundamentada nos livros do Hamilton.” 
Caio | E foi aquele rolo.
Fábio Cabral |  É. Formatei o livro e lancei na mais fechada galeria de arte que tinha em São Paulo, a Paulo Figueiredo. Quinhentos exemplares, assinados e numerados, como se fosse uma gravura. 
Caio | E hoje em dia estão vendendo o “Anjos Proibidos por dez mil reais no Mercado Livre, você sabia?
Fábio Cabral | Sei, claro. Tava dando uma pesquisada na Internet e vi. Eu liguei pro livreiro, que me disse: “Tenho o livro em perfeitas condições e está assinado pelo autor”. Daí eu falei: “Eu sou o autor”. Aí o cara pirou, queria saber se eu tinha mais livros pra vender e tal. Eu tenho só quatro exemplares, que estão na casa dos meus pais e que vou guardar pra sempre.
Caio | Aí você lançou e deu aquela confusão com o tal promotor de justiça que dizia que os livros eram pornografia infantil.
Fábio Cabral | É que o livro teve uma exposição muito grande na mídia. O vernissage foi uma puta festa, vinho da Fasano, coquetel com salmão, dois links de televisão ao vivo, página inteira na Folha de São Paulo, aquele buchicho todo. Aí um promotor chamado Munir Cury viu aquilo e tentou aplicar o código da criança e do adolescente pra pegar um vácuo na imprensa e tentar se promover.
Caio | As fotos não são nada pornográficas...
Fábio Cabral | Cara, eu não era um aventureiro.Eu era diretor do Grupo Abril! Todas as fotos foram feitas com a presença dos pais das garotas.
Caio | E aí?
Fábio Cabral | Foi muito engraçado, porque eu lancei o livro numa terça e na quinta fui pra Las Leñas fazer uma temporada de esqui. Enquanto eu tava lá esquiando o promotor apreendeu os livros como se fosse um pacote de drogas, fechou a galeria e ficou falando na imprensa que ia me prender, que eu era um aventureiro e tal. Quem me deu a notícia foi o (apresentador de TV) Otávio Mesquita, que tava lá em Las Leñas. Me mandou um bilhete: "Cabral, desce pro hotel que deu algum problema lá. Tua cara está em todos os jornais". Cheguei no hotel e tinha telefonema da Veja, da Folha, todo mundo querendo falar comigo.
Caio | E você teve que se explicar?
Fábio Cabral | Não falei com ninguém, porque não sabia direito o que tava acontecendo. Só falei com a Fernanda Cirenza, da Folha, que era minha amiga e deu um furo de reportagem. Ela me disse que a Folha já tinha comprado minha briga, que achava a atitude do promotor um retrocesso, uma censura. Disse que tava todo mundo comentando, o Ziraldo, o Caetano Veloso achando que era repressão. 
Caio | E como terminou a história?
Fábio Cabral | Eu voltei e fui indiciado. Contratei um dos maiores advogados de São Paulo, o Eduardo Mullayert, que foi secretário de Segurança de São Paulo e é um cara muito intelectual, muito ligado às artes. Foi ele que conseguiu me acalmar, porque eu tava me sentindo ultrajado. Quando eu saí do indiciamento tinha uma parede de fotógrafos e cinegrafistas, parecia que era o Ronaldinho e a Cicarelli (risos). Foram dois anos e meio de processo, e fui absolvido por unanimidade, em sentença irrevogável. O juiz viu que era uma trabalho de arte.
Caio | Além desse você tem mais dois livros, certo? "SLZ 48h, com fotos de São Luiz do Maranhão e "Some Women", com fotos de mulheres.
Fábio Cabral | Na verdade são quatro livros ao todo. Eu participei do livro "Arquitetura do Brasil", onde a revista Arquitetura e Construção convidou fotógrafos de outras áreas para interpretarem as regiões do Brasil. Eu fiz Florianópolis, as casas açorianas.
Caio | "Some Women" tem fotos de várias celebridades. Qual você mais gostou de fotografar, se fosse pra citar só uma.
Fábio Cabral | Eu sempre tive uma característica muito forte de obter sempre a minha imagem, a minha interpretação, fotografando quem quer que seja, o Pelé ou o cara da esquina. Sempre gostei de dirigir pessoas, por isso que meu caminho cada vez mais é o cinema. Então, em "Some Women" tem atrizes tipo Sônia Braga, Bruna Lombardi, Adriane Galisteu, Ana Paula Arósio e ali todas se parecem. Porque transformei todas elas nas minhas mulheres, mulheres idealizadas visualmente por mim.
Caio | E qual delas você mais gostou de fotografar?
Fábio Cabral | Olha, cada menina é uma menina...Mas tem duas que foram especiais, em dois momentos diferentes: Ana Paula Arósio e Sônia Braga.
Caio | No teu site a primeira imagem que aparece é a Ana Paula Arósio, toda despenteada, de maquiagem borrada...
Fábio Cabral | Fiz essa foto num momento em que ela era vendida como princesinha, garota Capricho. Aí nessas fotos eu transformei a princesinha em gata borralheira.
Caio | Você é meio genioso, né?
Fábio Cabral | Ah, não sei, eu não puxo saco, não babo ovo, não faço política. Gosto das pessoas pela essência, pelo que elas são, não pelo que elas têm.  Hoje sou um homem de 51 anos e tenho consciência dos meus defeitos e meus avanços. Sei que sou uma pessoa difícil e muito sensível. Se eu não gosto de um cara, por mais interesse comercial que eu tenha, não vou conseguir me relacionar, e isso é tão inerente a mim que fecha algumas portas profissionais. Eu gosto é de gente boa, gente de coração limpo.
Caio | Você acha que em cidades menores como Florianópolis, pelo fato de todo mundo se conhecer isso acontece mais,? 
Fábio Cabral | Quando morava em São Paulo, 70% do meu trabalho era publicidade, de onde vinha o dinheiro, e 30% de editorial. Quando saí de lá saí do editorial porque aqui ele não existe. Mantive a publicidade e tentei trazer esse mercado pra cá. E vou te dizer que consegui bons avanços. Não posso reclamar. Fiz grandes trabalhos aqui. E fiz alguns trabalhos ruins também. Mas hoje em dia na publicidade o melhor fotógrafo é o mais barato (risos), e essa não é a minha praia (risos).
Caio | Como assim?
Fábio Cabral | Eu falei isso numa grande agência em Sampa outro dia e o diretor geral concordou comigo: hoje em dia o melhor fotógrafo é o mais barato, bicho! Se a gente for olhar o grosso da publicidade no Brasil, a Veja, a Caras, você vai concordar comigo. Não tem mais fotografia ali. O que eles fazem é uma arte final, com várias colagens em Photoshop. Não é uma fotografia autoral. E minha formação foi em cima da fotografia autoral. Fotógrafo precisa ter currículo, olhar e história para sua obra ter valor real.
Caio | A foto que você vê ali pode ter sido feita por três ou quatro fotógrafos diferentes…
Fábio Cabral | Ou por qualquer um! O diretor de arte compra sua câmerazinha, monta o lay-out, fotografa e transforma aquilo numa arte final pra ter os direitos de utilização. Agora, por outro lado, a fotografia na sua essência, a fotografia de “fine-art” tá crescendo muito no mundo. Tem um grande movimento nesse sentido.
Caio | Você já passou por experiências assim aqui em Floripa?
Fábio Cabral | Aqui em Floripa de monte. Tem isso, do cara não querer trabalhar comigo por me achar sei lá, arrogante ou muito criterioso. E não é nada disso, bicho. Eu apenas pontuo meu trabalho em cima da maior qualidade profissional. Sou muito exigente no set, Caio. E nessa transformação da fotografia o fotógrafo passou a ser uma peça meio mandada pelo diretor de arte ao invés de uma dupla que trabalha em harmonia.
Caio | O lay-out chega pronto e o fotógrafo que corra atrás. 
Fábio Cabral | Eu tive muitos problemas nesse sentido, porque queria propor uma linguagem e não deixavam. Pra mim isso é a mesma coisa que apertar o meu pescoço, então eu fico querendo brigar, chutar a canela. Agora tô aprendendo a ser um pouco mais tolerante nesse sentido, mas eu sempre fui muito brigão quando estou defendendo meu trabalho. Saí de São Paulo em 96, e tava num universo muito grande lá. Eu despachava com o Nizan Guanaes, o Washington Olivetto, o Camilo Magalhães, os caras mais criativos da época. Fiz campanhas enormes em SP, fui crescendo no mercado como um obcecado, porque eu queria chegar no nível de um cara que é exemplo pra mim até hoje, um cara que se chama Luís Trípoli. 
Caio | Ah, esse é um craque. Você foi assistente dele?
Fábio Cabral | Nunca fui assistente de ninguém. O Trípoli também nunca foi assistente de ninguém.
Caio | Como foi a transição do negativo para o digital na tua fotografia?
Fábio Cabral |  Foi bastante dolorosa, porque eu fiz parte da resistência contra o digital. Eu e vários fotógrafos importantes, formados na escola do negativo, do cromo 6x7. Só que eu fui resistente demais. Então eu entrei na digital quando não tinha mais laboratório pra revelar meus filmes. E achava uma porcaria, que não tinha resolução, contraste.
Caio | Olhando em retrospecto, você não acha que foi um excesso de romantismo teu?
Fábio Cabral | (Pensa) Foi, sim, foi. Tanto que eu continuei fazendo muito cromo 6x7 quando todo mundo já estava na digital.
Caio | E hoje em dia?
Fábio Cabral | Hoje é tranquilo, eu trabalho com as digitais de maior resolução possível, entrei nesse universo de cabeça, como todos nós fomos obrigados a entrar. Tenho um domínio legal dessa técnica. Mas ainda faço os meus ensaios como se eu tivesse trabalhando com filme. Não fico olhando na telinha da câmera a cada foto.
Caio | Você é diretor de fotografia e pelo que sei planeja atuar como diretor mesmo. Como começou seu envolvimento com o cinema?
Fábio Cabral | Comecei como diretor de fotografia em 1998, com o (diretor de cinema) Carlos Mendes, que é muito consagrado e tem vários prêmios em Cannes. Começamos a filmar juntos e deu muito certo, fizemos vários comerciais. Em 2002, o irmão dele, Odorico Mendes, que era super premiado, fez seu primeiro longa e me chamou. Filmei 524 latas de negativo. Tinha uma equipe de fotografia com 35 pessoas. Foi ali que eu peguei o vírus do cinema.
Caio | Como é o nome do filme?
Fábio Cabral | O Dono do Mar. Inclusive eu tô com uma cópia e a gente tá tentando fazer uma exibição do filme aqui no Cinemark.
Caio | E agora o teu caminho parece ser o cinema mesmo, né?
Fábio Cabral | É. Todos os meus projetos para 2010 estão totalmente voltados para o cinema. Filme, dramaturgia...tenho um projeto de um programa pra tv, já fiz um piloto com o Gastão Moreira, tem um outro projeto de um programa sobre fotografia na GNT, dois documentários inscritos na lei municipal e um longa metragem que se chama Apartamento 701. Minha vida em 2009 foi ler roteiro e assistir filme. Estou num processo de transformação na minha fotografia, pra encontrar minha essência profissional, que é a direção de atores, direção de modelos.
Caio | Vários projetos...
Fábio Cabral | E tem um novo livro, de 353 páginas, capa dura, sobre meus 25 anos como fotógrafo. 
Caio | Você tem filhos?
Fábio Cabral | Tenho dois, o Kim e a Dana, um garoto de 23 que mora na Austrália e uma menina de 13 que mora aqui em Floripa, meus filhos estão muito bem encaminhados e minha ex-mulher também. E tô já há 6 anos com a Eliana, que é a mulher da minha vida, fotógrafa também.  A gente tem essa relação de alma gêmea, sabe?
Caio | Como você se imagina daqui há cinco anos?
Fábio Cabral | Em Floripa ou Urubici, mais perto da montanha, fazendo meus filmes. E desenvolvendo meu trabalho de cura, de espiritualidade. Eu sou médium e atendo todas as segundas-feiras no Nosso Lar, ali em Forquilhinhas (Centro Espírita de Florianópolis). É um trabalho que chamo de medicina vibracional, muito interessante.
Caio | Pra terminar, então: quem são os fotógrafos que você mais admira?
Fábio Cabral | Luís Trípoli, meu queridão. Gosto muito do Klaus (Mitteldorf), Araquém Alcântara, por aí vai. Paulinho Vainer, Bob Wolfenson. E falando de pessoas, gosto muito do teu pai, Marco Cezar. Pra mim é a imagem do fotógrafo de Florianópolis. Conhece todo mundo e tá sempre com a câmera no pescoço.
Caio | E internacionais?
Fábio Cabral | Helmut Newton, Richard Avedon e indiscutivelmente o David Hamilton, que inclusive foi pro cinema e fez vários filmes.
Caio | Voltando a falar de "Anjos Proibidos": Por que você não vai atrás das fotografadas e fotografa de novo, agora com elas já adultas?
Fábio Cabral | Não, pelo amor de Deus (risos)! Todo mundo me dá essa idéia, não quero, não.
Caio | Pô, e eu achando que estava sendo original.
Fábio Cabral | (risos) Não! Isso é uma coisa do passado. Agora eu quero saber é de lançar os meus filmes e ganhar um Oscar (risos).



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